sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Maria



Maria me olha de lado, toda desconfiada. Finjo que não vejo, mas já fico esperando alguma discussão com fundamento ou apenas batidas de pés. Conheço bem a peça e sei que quer alguma coisa, e quando quer, não mede esforços para conseguir. Para isso, ela tem sempre uma tática: cabeça erguida e o olhar pensativo.  
  Subitamente, quando já nem notava sua presença, com o ar de quem sabe o que quer, ou pensa que sabe, Maria toma uma decisão e diz:
                 - Tia, eu acho que quero jogar no computador.
     - Você acha ou você quer? Pergunto divertida.
                 - Eu quero! Responde Maria, com toda convicção que uma mocinha de quatro anos pode ter.
                 - Mas você sabe jogar? Quer que eu ajude?
                 - Não, tia!  Eu sei jogar!
     -Tá bom então. Pode jogar.
Toda contente, Maria senta em frente ao computador, começa o jogo (o único que sabe jogar),em menos de dois minutos perde, fica olhando pra tela sem saber o que aconteceu, mas também sem perguntar nada, não quer dar o braço a torcer.
    - Quer que eu coloque de novo? Pergunto toda solícita, mas me divertindo muito com a cara que ela faz.
     - Não, eu sei colocar.
Espero. Espero. Maria olha intrigada, tenho a sensação de que conversa com a máquina a sua frente: “Decifra-me ou te devoro”, parece ser esse o tema da discussão. Do nada, ela decide agir quase quebrando o mouse tentando colocar o jogo. Aperta aqui e ali como uma desesperada. Finalmente desiste e vai embora com um aborrecimento que, tenho certeza, não dura trinta segundos.
Mas o que importa? Quando ela voltar, depois de meia hora, vai fazer igualzinho, até descobrir sozinha que precisa de alguém para ajudá-la e ensiná-la.
   - Tia, posso jogar no computador?
   - Mas você sabe mesmo jogar, não quer que eu ajude?
   - Não, tia! Eu sei jogar... Mas tu pode jogar comigo! Quer?
Eu rio do jeito dela. É sempre assim, é dessa maneira que aprende a pedir ajuda e age da mesma forma com tudo, diz sempre saber o que fazer: “Tia, eu sei jogar no computador, eu sei jogar uno, eu sei tocar violão, eu sei varrer a calçada, sei lavar a louça, sei usar maquiagem e andar de salto...” Ela é a verdadeira Maria sabe-tudo. E mesmo assim, ainda me impressiono com o quanto que sabe aos quatro anos de idade. Porque uma coisa é verdade: ela sabe! É a certeza com que diz isso que faz com que saiba.
Impressiono-me também porque talvez um dia eu tenha sido assim. Achando que soubesse tudo. Não me iludo, no entanto, aderindo à frase que todos já ouvimos “essas crianças de hoje nascem sabendo”. Não acho que seja assim, Maria, por exemplo, não sabe tudo! Ela age como se soubesse, é bem esperta para agir assim, e não tem medo de aprender, tem uma curiosidade ferrenha e uma vontade louca de saber das coisas, pior- ou melhor- que isso, tem vontade de saber das coisas sozinha, sem a ajuda de ninguém.
Não quero entrar aqui em discussões pedagógicas-psicológicas-filosóficas sobre quais as possíveis consequências no futuro dela por agir dessa forma, por ser desde sempre tão “independente”, mesmo que dependa de todos para quase tudo. Só quero ter o prazer de pensar que ela é esperta não tendo medo de errar. Afinal, se a vida correr seu curso normal, do jeito que Maria aprende sozinha as coisas, não vai ser assim por muito tempo, logo ela vai descobrir que não sabe tudo. Nesse dia, será uma adulta cheia de dúvidas com saudade da infância. Então, é melhor curtir essa época que dura pouco. As consequências do hoje virão, sem dúvida, mas ainda prefiro admirar o agora e torcer bastante para que amanhã seja repleto de flores.
Minha maior tristeza é que hoje não sei de nada, tenho medo de tudo. Queria ser como Maria: não ter medo de errar, não ter medo de tentar e imaginar ter a certeza de saber o que não faço ideia significar, mesmo que apenas por alguns instantes.  Queria ser pelo menos um pouquinho igual à ela, não achar que sei fazer ou que posso todas as coisas, mas ir em frente, quebrar a cara, fazer errado, pedir ajuda, crescer com o que os outros tem a me dizer e a dividir comigo  e assim, aprender a aprender, sem medo.
Por isso Impressiono-me, repito, com o tanto que Maria julga saber aos quatro anos, com tudo que ela sabe e com o quanto isso faz com que ela aprenda. Já que eu, aos vinte e tantos, quanto mais estudo, sinto como se soubesse cada vez menos da vida. 

                
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